sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A internet faz mal ao cérebro?

Um grupo cada vez maior de pesquisadores acha que estamos nos tornando mais distraídos – e mais burros – por causa do uso excessivo dos aparelhos digitais

PREÇO ALTO O biólogo Hebert Campos, em Campina Grande. A internet abriu seus horizontes e acabou com sua concentração. “Perco de um lado, mas ganho do outro”  (Foto: Kleide Teixeira/ÉPOCA)

PREÇO ALTO
O biólogo Hebert Campos, em Campina Grande. A internet abriu seus horizontes e acabou com sua concentração. “Perco de um lado, mas ganho do outro” (Foto: Kleide Teixeira/ÉPOCA)

O escritor americano Nicholas Carr sentiu que algo estranho ocorria com ele há uns cinco anos. Leitor insaciável, percebeu que já não era capaz de se concentrar na leitura como antes. Na verdade, sua ansiedade disparava diante de qualquer tarefa que exigisse concentração – seus olhos procuravam a tela do computador ou do celular. O impulso de espiar na internet era quase incontrolável, diz ele. “Sentia que estava forçando meu cérebro a voltar para o texto”, afirma. “A leitura profunda, antes tão natural para mim, tinha se transformado numa luta.” Tal afirmação abre o livro The shallows – What the internet is doing to our brains (Os superficiais – O que a internet está fazendo com nossos cérebros, ainda sem tradução no Brasil). Nele, Carr faz uma acusação seriíssima: a exposição constante às mídias digitais está mudando, para pior, a forma como pensamos. Ele e um punhado de autores respeitáveis acreditam que, por causa do uso excessivo de computadores e de outros aparelhos digitais, nosso cérebro é alterado e estamos nos tornando menos inteligentes, mais superficiais e imensamente distraídos – o inverso de tudo aquilo que fez de nós a espécie mais bem-sucedida do planeta Terra.

“Em vez de mentes juvenis inquietas e repletas de conhecimento, o que vemos nas escolas é uma cultura anti-intelectual e consumista, mergulhada em infantilidades e alheia à realidade adulta”, afirma Mark Bauerlein, autor de The dumbest generation (A geração mais estúpida). No livro, ele antecipa uma nova Idade das Trevas, quando os indivíduos que hoje são crianças e adolescentes chegarem à maturidade.

Bauerlein, professor na Universidade Emory, na Geórgia, supervisiona estudos sobre a vida cultural americana. Ele acredita que as novas gerações, educadas sob a influência das mídias digitais, são formadas por narcisistas despreparados para pensar em profundidade sobre qualquer assunto. Ele diz que uma pesquisa de 2006 com mais de 81 mil estudantes americanos de ensino médio detectou que 90% deles “leem ou estudam” menos de cinco horas por semana – embora passem “pelo menos” seis horas navegando na internet e um período equivalente assistindo à TV ou jogando videogame. “Indivíduos que não sabem praticamente nada de história, que nunca leram um livro nem visitaram um museu não têm mais do que se envergonhar. Tornaram-se comuns”, afirma.

Carr e Bauerlein não estão sozinhos. A jornalista Maggie Jackson, outra autora crítica da tecnologia, sugere que os mais jovens estão acostumados, por culpa da internet e do uso de celulares, à leitura desatenta de textos cada dia mais breves e estilisticamente mais pobres. Os 140 caracteres que se podem escrever no Twitter, ela acredita, geram pensamentos máximos de 140 caracteres. Parece exagero, mas alguns estudos mostram que há motivos para preocupação. Uma consultoria chamada Genera divulgou um estudo alarmante sobre os efeitos do uso da internet entre os jovens. A empresa entrevistou 6 mil pessoas da geração que cresceu usando a internet e concluiu que as coisas estão mudando radicalmente. “A imersão digital afetou até mesmo a forma como eles absorvem informação”, afirmam os pesquisadores. “Eles não leem uma página necessariamente da esquerda para a direita e de cima para baixo. Pulam de uma palavra para outra, atrás de informação pertinente.” Um efeito disso já foi notado por um professor da Universidade Duke. Ele reclamou com o autor de The shallows que não consegue mais que seus alunos leiam um único livro do começo ao fim, mesmo nos cursos de literatura.

GERAÇÃO VELOZ Jovens chineses jogam on-line e navegam na internet num cibercafé na província de Hubei.  O cérebro parece se adaptar ao ritmo do computador (Foto: Imaginechina/Corbis)

GERAÇÃO VELOZ
Jovens chineses jogam on-line e navegam na internet num cibercafé na província de Hubei. O cérebro parece se adaptar ao ritmo do computador (Foto: Imaginechina/Corbis)

Se as críticas ao uso dos computadodores partissem apenas de intelectuais preocupados com a ruptura de padrões tradicionais, não haveria problemas. Professores se queixando da preguiça de seus alunos era comum nos séculos XX e XIX e, certamente, antes disso. Esse tipo de evidência circunstancial pode ser facilmente contestado por exemplos contrários, que existem abundantemente, mostrando que há milhões de jovens concentrados que leem e estudam com afinco. Mas os críticos vão além das velhas reclamações. Experimentos como o do professor de comunicação Clifford Nass, da Universidade Stanford, são mais difíceis de rechaçar. Eles sugerem que pessoas acostumadas ao funcionamento multitarefa do computador – que permite fazer várias coisas ao mesmo tempo – tendem a imitar a máquina, tocando várias atividades ao mesmo tempo. Escrevem, falam ao telefone, consultam a internet, ouvem música. Tudo simultaneamente, ou quase. As consequências são perversas. Elas erram, ficam irritadas por quase nada e qualquer estímulo as distrai. O estudo mostra que, quanto mais a pessoa se julga eficiente fazendo várias coisas ao mesmo tempo, pior ela as faz. E, quando é necessário que se concentrem numa única atividade por longo tempo, elas precisam de muito mais esforço.

A Associação Americana de Psicologia define multitarefa como “a tendência a fazer mais de um trabalho que precise de atenção ao mesmo tempo, como falar ao telefone e escrever uma mensagem eletrônica”. Ela diz que esse hábito promovido pelas novas tecnologias tornou-se um problema. Sério. O motivo é simples: nossa capacidade de atenção é limitada. Quanto mais ela é fracionada, menos funciona. É um problema que tem origem na evolução da espécie. Fazemos bem uma coisa de cada vez e, mesmo assim, com grau limitado de concentração. Apesar disso, estamos nos dividindo cada vez mais. Entre 2008 e 2009, um estudo da Basex, uma companhia americana especializada em consultoria para grandes empresas, concluiu que um trabalhador médio passa mais de um quarto de sua jornada diária lidando com distrações do mundo real (ligações de telefone, conversas com colegas) e virtuais (e-mails, chats). Outro estudo, de RescueTime, revelou que, em média, um funcionário que usa o computador o tempo todo acessa 50 vezes por dia a caixa de e-mails, 77 vezes programas de comunicação instantânea (MSN ou Google Talk) e 40 vezes as páginas da internet. O custo em atenção e produtividade é imenso. Os pesquisadores dizem que, cada vez que interrompemos uma tarefa, ao voltar a ela podemos demorar mais de dez vezes o tempo da interrupção para retomar a atenção inicial.

Revista Época

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